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A redução da cultura pelo homem em um modelo cientifico e tecnológico

Por causa da influência predominante da ciência sobre a cultura, e pela marca impressa pela tecnologia moderna, ela se baseia, cada vez mais, no modelo científico e tecnológico. Uma vez que tenhamos definido o modelo científico e tecnológico, teremos melhor compreensão do nosso contexto cultural. Nó o faremos em seis pontos.

A ciência tem se tornado mais independente, autônoma e autossuficiente. As pessoas são convidadas a aceitar a ciência como verdade única e, portanto, a aceitar com confiança religiosa as conclusões por ela delineadas.

A ciência também está sendo evocada como principal instrumento de controle humano sobre o mundo. Os homens aumentam seu poder sobre a realidade mediante a exploração dos meios científicos, em particular no desenvolvimento da tecnologia industrial.

Muitos acreditam que a tecnologia moderna não é nada mais que ciência aplicada, assim a cultura, de acordo com um modelo científico, torna-se cultura de acordo com o modelo tecnológico. Dito de outro modo, o controle racional e científico da natureza e da sociedade humana conduz ao controle tecnológico da realidade.

A concentração no controle provém do anseio religioso do homem de realização e libertação pessoal

O anseio universal pela liberdade está relacionado de forma direta ao potencial da ciência e tecnologia. Elas assumem um papel messiânico. O homem espera ser libertado da miséria e sofrimento e encontrar a felicidade material por seu intermédio.

Até a Revolução Industrial, a ideia de progresso motivou só os homens da ciência. Mas, tão logo a prosperidade material da Revolução Industrial tornou-se disponível para as massas, elas aceitaram o progresso como artigo de fé.

Filosofias como o positivismo, o marxismo e o pragmatismo contribuíram para a crença na tecnologia moderna como força libertadora.

As forças econômicas e políticas fazem muito para a construção do modelo científico e tecnológico. Só por essas forças poderia haver lugar para o desenvolvimento em grande escala. Por esta razão, as forças ocultas da economia e política devem ser criticadas, o que os neomarxistas estão felizes em fazer.

No entanto, a crítica neomarxista não penetra na raiz da questão; pode levar à mudança de jogadores, mas os novos jogadores continuarão apenas a construir o modelo científico e tecnológico.

Uma vez que a dinâmica religiosa do mundo é apóstata, a cultura se tornará cada vez mais secular. A divinização da ciência e da tecnologia anda de mãos dadas com a resistência à fé cristã. A realidade transcendente tornou-se um mito, uma projeção.

Acredita- se que o próprio homem tecnológico e racional alcançará um dia a utopia por ele mesmo concebida de controle e sujeição. Neste mundo científico-tecnológico, o homem será senhor e mestre, independente e soberano.

Não haverá resquício de Deus no mundo. Todos os problemas serão resolvidos por meio da democracia, que pode canalizar a ciência e tecnologia de forma redentora.

Problemas e perigos

A realidade perdeu o significado de acordo com esse modo de pensar. A realidade não é mais a criação, ricamente diferenciada, a entidade viva e sustentada pela Palavra de Deus.

Em vez disso, o homem “cria” um mundo impulsionado pela dinâmica tecnológica e, em seguida, tenta aceitá-lo como o mundo real, embora seja desprovido de sentido. O homem moderno iguala o mundo tecnológico à realidade total. Claro que a realidade criada não permite essa redução.

Todos os aspectos da realidade criada são coerentes em uma unidade significativa. Todavia, se o homem nega a coerência centrada em Deus, o desenvolvimento da realidade humana provoca sua própria destruição. Ela pode vir com lentidão e de forma cumulativa, mas virá.

É impossível a instituição de um mundo tecnológico independente

O crescimento do desenvolvimento tecnológico é limitado ao potencial da realidade criada. As fontes de energia e os depósitos de minerais são limitados. Os problemas ambientais, como a poluição de mares e oceanos e a contaminação do solo, da água e do ar mostram como a tecnologia atual explora o meio ambiente com perigo.

A tecnologia também revela graves tensões internas em torno de questões como a energia nuclear e a biotecnologia. A crescente dependência da computação causou desemprego, deslocamento social, solidão e alienação.

As funções específicas e únicas de cada pessoa, a responsabilidade individual e criativa do homem — no contexto do mundo de experiência global — está sendo eliminado de maneira sistemática do modelo tecnológico da realidade.

A cultura definida como unidade científica e tecnológica se dilacera a partir de si mesma. Externamente reflete uma abstração gelada, uniforme, impessoal e homogênea.

Criar um mundo científico e tecnológico independente e deixá-lo dominar e destruir a globalidade da experiência traz sobre nós os problemas e perigos que mencionei. Os problemas mostram que a realidade é apenas uma, criada e mantida por Deus.

Os problemas também apontam que o conhecimento científico é sempre impelido e permeado pelo conhecimento pré-teórico ou suprateórico.

A singularidade da visão cristã consiste no fato de o conhecimento pré-teórico ou suprateórico se basear na fé, fundamentada na revelação divina. Isso permite que os cristãos sejam críticos e apreciadores da ciência e tecnologia.

Observadas do ponto de vista cristão, a ciência e a tecnologia só serão significativas caso permaneçam em áreas limitadas da totalidade da experiência humana, e não se tornem modelos pelos quais todos os outros aspectos da vida são organizados — para seu próprio dano.

“O mundo da experiência” e “o mundo científico e tecnológico”

O que queremos dizer com “nosso mundo da experiência”? Este mundo é o mundo em que vivemos. Ter esperança, sofrer e lutar representa o mundo em que vemos as coisas de forma simples, em que sentimos amor; é também fé e confiança;, na verdade, a fé e a confiança são os pontos essenciais do mundo.

Este mundo da experiência original e primária não pode ser compreendido de modo pleno, ele é complexo, concreto, cheio, muito variado e inescrutável. Todas as atividades humanas e seu significado — a ciência, a tecnologia e o seu significado — pertencem a este mundo.

Nosso conhecimento do mundo primário e original procede da experiência de ser intrinsecamente relacionado e envolvido com ele. É um conhecimento intuitivo que precede e transcende todo o conhecimento científico.

O segundo “mundo” é o mundo da filosofia, da ciência e de sua aplicação. Também é o mundo do controle científico e tecnológico.

Para construir um modelo científico e tecnológico para toda a realidade, como muitas pessoas fazem, deve-se subordinar o primeiro mundo, o mundo do conhecimento primário e intuitivo, ao segundo.

Então, o mundo científico e tecnológico começa a dominar o mundo cotidiano da experiência.

Os tecnocratas mantêm a ilusão de que a ciência fornece o único conhecimento da realidade verdadeiro, completo e concreto — uma crença que surgiu no Iluminismo.

No entanto, quando o mundo reduzido de forma drástica e abstraído da ciência se tornou o mundo primário, o genuíno mundo primário da experiência total é reduzido a uma abstração científica.

Essa redução acabará mais tarde em caos. As tendências dos modelos científicos e tecnológicos da realidade podem ser vistas no crescimento urbano moderno, na política industrial, habitação, nos cuidados com a saúde, na assistência social, economia, política e defesa.

Felizmente, pelo fato de o mundo real da experiência se recusar a desaparecer, a tecnologia jamais será completamente bem-sucedida.

No entanto, como o poder está concentrado na sociedade tecnocrática, tomamos conhecimento do desaparecimento do amor, que não pode florescer nas estruturas frias e uniformes dessa sociedade. Afinal, o amor orienta-se de modo principal para o que é específico e único.

O grau de bem-estar social previsto no estado tecnológico não pode alterar a queixa de que “ninguém se importa comigo”. Na cultura tecnocrática, os laços essenciais do relacionamento humano são cortados e substituídos por laços artificiais que prejudicam o amor, destroem a compaixão e a empatia, e aumentam a alienação e solidão.

As pessoas que sofrem a agonia do mundo tão frio e impessoal tornam públicos uma série de protestos e reinvindicações.

O que está por trás da motivação do homem ao desenvolver a ciência e tecnologia?

Parece que o motivo consiste no anseio humano de controlar toda a realidade mediante seus pensamentos e ações.

O desejo do homem é controlar a origem, a existência e o destino de todas as coisas, sujeitando-as a si mesmo. O homem continua tentando romper a realidade nos menores elementos básicos, a fim de reconstruí-la de acordo com sua estrutura de poder.

Esse motivo fundamental já era evidente na Queda, mas só depois da Renascença, no período de forte influência do humanismo moderno, essa tendência foi reforçada pela energia das ciências naturais e tecnologias modernas.

Os protagonistas da Renascença deram adeus ao cristianismo. Eles continuaram a usar a terminologia cristã, mas sob a perspectiva antropocêntrica. A criação deixou de ser considerada obra de Deus, e sim o trabalho das próprias mãos humanas.

A Queda, de acordo com os humanistas, não significou a negação de Deus, mas a negação de si mesmo. A redenção não consiste na restauração da comunhão com Deus por meio de Jesus Cristo, mas a afirmação de que o homem pode aprender a se postar em pé sozinho.

Crer não significa confiar em Deus, em Cristo, mas sim acreditar em si mesmo. Por último, o futuro não consiste no que Deus quer colocar no caminho do homem, mas a organização do mundo de acordo com as ideias humanas.

O espírito da Renascença tem permeado o pensamento da maioria dos filósofos e cientistas modernos — incluindo-se o Iluminismo, a filosofia moderna, o positivismo, marxismo e o materialismo.

O espírito da Renascença, com a autossuficiência e autorrealização do homem, domina a evolução da economia, política, ciência e tecnologia.

O homem adotou a si mesmo como o padrão de todas as coisas, na maioria dos setores da cultura, e a ciência é seu instrumento de controle da realidade.

O racionalismo científico impulsiona a tecnologia a proporções enormes

Ao mesmo tempo retarda-se o desenvolvimento cultural — um fato triste que poucas pessoas notam. A maioria, motivada pelo materialismo, considera as questões não tecnológicas sem importância.

Outros motivos surgiram da mesma raiz da autonomia pretendida pelo homem e da autossuficiência para reforçar o racionalismo. Mais importante ainda, existe o motivo da “tecnologia pela tecnologia”. Tudo o que pode ser feito, deve ser feito, e quanto maior, melhor.

E assim, o desenvolvimento técnico gira além do controle humano. O homem pode fingir ser dono e senhor da tecnologia, mas ele se torna, de fato, seu escravo. As pessoas são aprisionadas pelo próprio trabalho quando se recusam a pensar nas normas apropriadas para a tecnologia.

Os problemas do meio ambiente, e os perigos associados à energia nuclear, informática e biotecnologia nos avisam de que a tecnologia está se tornando um poder absoluto que ameaça a natureza e a cultura. Seu crescimento parece estar fora de controle.

O segundo princípio que desempenha grande papel no desenvolvimento técnico afirma que a tecnologia deve servir ao poder econômico. O desenvolvimento tecnológico submete-se por completo ao lucro. Prestamos pouca atenção a outras normas.

Um dos resultados dolorosos é a poluição ambiental generalizada. As aberrações provocadas pela sociedade dominada por motivos econômicos comporta sérios problemas. A bênção potencial da tecnologia se transformou em maldição.

A tecnologia, amiga em potencial do homem, tornou-se sua inimiga.

Não podemos culpar apenas filósofos, cientistas, engenheiros e economistas. Muitas pessoas associadas indiretamente à tecnologia também são dominadas pelo espírito materialista, tanto que atribuem à tecnologia um poder messiânico.

Cegado pela insaciável ânsia de prosperidade material, o homem moderno idolatra o desenvolvimento tecnológico como meio de obter cada vez mais bens de consumo e bênçãos materiais — “seu tipo de felicidade”.

Assim, dentro e fora do processo do desenvolvimento científico e tecnológico, descobrimos que os problemas e perigos atuais são provocados por pessoas que se desenvolvem e constroem sem normas. A normatividade da produção resulta de sua pretensão — eles, e não Deus, determinam o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Como foi descrito antes, o homem moderno tem sido enganado e aprisionado pelas ofertas de poder da ciência. Esta, com sua abstração e redução, oferece o conhecimento de apenas parte da realidade, não da totalidade.

A aplicação ilimitada de ciência corresponde a uma redução da realidade. Coisas tremendas podem ser alcançadas, mas a redução pode muito bem levar à aniquilação posterior da realidade.

Se, a fim de resolver os problemas existentes, os tecnocratas se voltarem para mais um campo da ciência, os problemas podem ser temporariamente suspensos.

Entretanto, eles reaparecerão de forma ameaçadora mais tarde. Se toda a tecnologia por fim resultar na criação de uma ditadura mundial tecnocrática, então não haverá mais espaço para a liberdade e responsabilidade humanas. O homem se tornará então prisioneiro em um campo de concentração universal.

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