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Hipocrisia religiosa, sua descrição e destruição segundo Jesus

Nós, seres humanos, somos muito estranhos. Ouvimos preceitos morais sublimes e vislumbramos um pouquinho apenas da verdadeira beleza da perfeita santidade, mas depois degradamos essa visão sonhando acordados com a boa opinião que os outros teriam de nós se fôssemos assim.

A exigência de perfeição genuína se perde no objetivo menor de exibir piedade exteriormente. O objetivo de agradar ao Pai é trocado por seu primo nanico: agradar seres humanos. Parece até que, quanto maior a exigência de santidade, maior a chance de hipocrisia. Por isso desconfio que o perigo é maior entre os líderes religiosos.

Tendo exigido de seus seguidores nada menos que a perfeição (5.48), Jesus tem absoluta consciência da tendência natural do coração humano para o autoengano e faz um alerta contundente: “Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles.

Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do seu Pai celestial” (6.1)

Sejam perfeitos (5.48), mas tomem cuidado (6.1). Logo, a questão sobre de quem é a aprovação que buscamos se apresenta de outro modo.

Assim como as bem-aventuranças me perguntam se é a bênção de Deus que eu quero ou a aprovação de outra pessoa, assim também as exigências de justiça que Jesus apresentou jamais podem ser confundidas com a aparência de piedade: essa justiça agrada ao Pai e é recompensada por ele.

A versão King James (KJV) começa o capítulo 6 com as palavras: “Guar-dai-vos de dar vossas esmolas diante dos homens, para serdes vistos por eles…”. Em outras palavras, essa versão introduz a questão das esmolas no primeiro versículo, não no segundo.

Mas a NIV conserva a redação dos melhores e mais antigos manuscritos. No versículo 1, Jesus estabelece o princípio geral: todas as “obras de justiça” devem ser praticadas sem ostentação exibicionista e sem o aviltamento da busca de aprovação social.

Em seguida, nos versículos 2-18, ele se concentra nas três obras fundamentais da piedade judaica, isto é, dar esmolas (6.2-4), orar (6.5-15) e jejuar (6.16-18).

Ele escolhe essas três para representar todas as outras “obras de justiça”, tratando cada uma da mesma maneira. Em primeiro lugar, ele descreve e condena especificamente cada obra de piedade exibicionista típica das mais degeneradas formas de farisaísmo, tanto as de antigamente quanto as de hoje.

Em segundo lugar, ele faz uma afirmação irônica sobre os resultados limitados dessa falsa piedade: os atores recebem sua recompensa integral. Entende-se aqui que a recompensa é o aplauso da plateia volúvel.

E isso é tudo o que os atores recebem. Em terceiro lugar, ele faz uma descrição comparativa da verdadeira piedade e seus resultados. Vamos delinear essa forma em alguns exemplos.

Esmolas (6.2-4)

A revelação bíblica sempre defendeu a importância de dar esmolas, de dar aos necessitados (veja Dt 15.11; Sl 41.1; Pv 19.17). Contudo, grande parte da nossa doação está menos preocupada em suprir necessidades e agradar a Deus do que em conquistar reputação por nossa generosidade e piedade.

“Portanto, quando você der aos necessitados, não anuncie com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos outros” (6.2). As trombetas podem ser metafóricas; a filantropia não deve ser acompanhada do som repulsivo do filantropo chamando a atenção para si.

Mas também pode ser que se trate literalmente de trombetas: as trombetas do templo de Jerusalém convocando os cidadãos a contribuírem para suprir alguma necessidade urgente.

A oportunidade de ostentação nessas circunstâncias é inigualável — as trombetas soam, eu fecho minha loja rapidamente e saio correndo pela rua. Todo mundo sabe para onde estou indo, e a velocidade com que corro não só chama a atenção para o meu destino, mas também comprova o meu zelo.

No entanto, Jesus diz que as pessoas que dão esmolas dessa maneira, quer na rua, quer na sinagoga, quer nas igrejas, quer para instituições de caridade, quer como artifício de relações públicas de uma empresa, quer como meio de autopromoção — tais pessoas são hipócritas.

Existem diversos tipos de hipocrisia. Em um específico, o hipócrita finge ser bom, mas na verdade é mau, como aqueles que tentavam “apanhar” Jesus nas palavras que ele dizia (Mt 22.15ss.).

Esse tipo de hipócrita sabe que é enganador

Em outro, o hipócrita se envaidece de seu senso de importância e justiça própria. Incapaz de enxergar os próprios defeitos, ele pode mesmo não ter consciência de que é hipócrita — embora seja muito duro para com os outros e seus pecados.

Jesus fala desse tipo de hipocrisia em Mateus 7.1-5, como veremos. Podemos pelo menos nos consolar pelo fato de os observadores identificarem prontamente essa forma de hipocrisia, ainda que o próprio hipócrita não se dê conta de seus dois pesos e duas medidas.

O tipo, porém, de hipocrisia abordado em Mateus 6.2 é mais sutil que os dois anteriores. Nesse caso, o hipócrita se convenceu de que no fundo está agindo pelo bem dos necessitados. Desse modo, ele pode não ter consciência da própria hipocrisia.

Além do mais, é muito pouco provável que os necessitados reclamem; eles demonstram gratidão comovente e, assim, contribuem para o autoengano do hipócrita. E todos os que observam, exceto os mais perspicazes, vão elogiar o feito do filantropo, pois todos reconhecem que fazer caridade é bom.

O hipócrita é por definição um ator — tenha ele consciência disso ou não. Aliás, a clássica palavra grega traduzida aqui por “hipócrita” a princípio significava “ator”. A piedade hipócrita não vem do coração, não é genuína, é uma encenação teatral de piedade.

Esse tipo de filantropia é motivado por uma forma de egoísmo. Nos recônditos secretos que escondem suas ambições mais acalentadas, esses hipócritas dão esmolas “para serem glorificados pelos outros”.

E Jesus declara:

“Em verdade eu lhes digo que esses já receberam sua recompensa” (6.2b). Eles conseguem o que querem, e isso é tudo o que recebem. Tudo não passa de um golpe publicitário bem-sucedido. Não há nenhuma “obra de justiça” verdadeira, nenhuma piedade sincera — e nenhuma recompensa de Deus.

“Mas, quando você der aos necessitados, não saiba a sua mão esquerda o que está fazendo a direita; para que a sua esmola fique em segredo” (6.3,4a). É quase como se o Mestre estivesse usando uma metáfora exagerada para expressar adequadamente o quanto nossas obras de caridade devem ser silenciosas e secretas.

Essa privacidade não tem nenhum mérito em si, mas garante que nossas boas ações não sejam nem um pouco estimuladas pelo desejo de receber o elogio dos outros.

Ninguém deve saber o que nós demos

Se houver o menor risco de alimentar orgulho secreto, nem nós mesmos devemos saber o que demos: a mão esquerda não sabe o que a direita faz. Ninguém deve saber sobre essa doação feita em segredo; ninguém, exceto Deus.

Precisamente porque só o Pai sabe, essa doação secreta é outro meio de assegurar que estamos realizando uma “obra de justiça” genuína, que agrada a Deus. Ele verá que nós demos motivados por compaixão sincera pela pessoa necessitada e pelo desejo transparente de agradar a ele.

Assim, seremos como os coríntios, que primeiramente deram a si mesmos ao Senhor, e depois deram seu dinheiro para a obra do Senhor (2Co 8.5).

Portanto, temos de ofertar “em segredo”, tanto para nos proteger da falsa piedade exibicionista quanto para garantir que estamos agindo com retidão diante do Senhor. “Assim”, diz Jesus, “o seu Pai, que vê o que se faz em segredo, recompensará você” (6.4).

Mais uma vez fica bem claro que o seguidor de Jesus está interessado nas recompensas e bênçãos de Deus, não na aprovação passageira dos outros.

Além disso, como se depreende do texto, o discípulo de Jesus não está ofertando em segredo a fim de receber recompensa celestial; em vez disso, ele doa em segredo para evitar o fascínio das honrarias humanas, para agradar seu Pai e para suprir necessidades reais.

A consequência é a recompensa espiritual.

É obvio que Jesus não está se opondo à doação. De fato, ele pressupõe que seus seguidores vão doar.

Contudo, tais seguidores, cujo alvo é a perfeição, não se devem iludir pensando que toda oferta agrada a Cristo ou que a caridade por si é uma “obra de justiça”.

O coração humano é suficientemente engenhoso para permitir que essa simples insinuação sobreviva.

Para que possa aprender mais sobre este tema, leia nosso próximo artigo “O Sermão Monte ao Alcance de Todos”, recomendo que você estude o livro de Carson “O Sermão do Monte” que deu origem a este artigo.

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