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Sermão do Monte – Lealdade Inabalávael aos Valores do Reino

TRÊS METÁFORAS (Mateus 6.19-24) Tesouro (6.19-21). “Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde traça e ferrugem destroem, e os ladrões invadem e roubam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem destroem, e os ladrões não invadem nem roubam.

Porque onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração.” Não há dúvida de que entre os tesouros na terra mencionados aqui estão as ricas vestes orientais, o tipo de roupa que qualquer traça que se preze adoraria encontrar.

A palavra traduzida por “ferrugem” pode significar exatamente isso e, portanto, estar ligada à corrosão dos metais. Mas também pode referir-se a outros tipos de deterioração e ruína. Por exemplo, pode ser uma referência a algo que devora um suprimento de grãos.

Os comentaristas mais antigos, com os quais estou de concordo, veem nesse exemplo a imagem de uma lavoura com seus produtos e provisões sendo arruinada, corroída, corrompida, deteriorada.

Lealdade Inabalávael aos Valores do Reino

Concomitantemente, os bens que não podem ser corroídos ou devorados podem ser roubados. Muitos “tesouros na terra” fazem a alegria dos ladrões, que invadem e roubam.

De fato, eles “escavam” e roubam, já que as paredes da maioria das casas da Palestina na Antiguidade eram feitas de barro cru, que se esfarelava facilmente nas mãos de qualquer ladrão com um instrumento perfurante.

Em princípio, ao usar a expressão “tesouros na terra”, Jesus estava se referindo a qualquer coisa valiosa que seja perecível ou que se perca de algum modo. Como o tesouro se perde não importa (mas, entre os meios que o consomem em nossos dias, certamente está a inflação galopante).

Os seguidores de Jesus, ao contrário, devem acumular para si tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem os consomem, e os ladrões não invadem nem roubam — onde não existe inflação. Esses tesouros são coisas resultantes da aprovação divina e que serão dadas generosamente aos discípulos na consumação do reino.

A maravilha dos tesouros do novo céu e da nova terra ultrapassa a nossa mais surreal imaginação. Em alguns momentos, as páginas das Escrituras nos permitem vislumbres manifestos em brilhantes metáforas, quando são empregados recursos estilísticos para nos falar de coisas que mal se podem conceber.

O Que diz as Escrituras

Outras vezes, as Escrituras extrapolam as amostras antecipadas que usufruímos aqui e retratam amor puro, um modo de vida absolutamente sem pecado, de integridade sem mácula, trabalho e responsabilidade sem fadiga.

Emoções profundas sem lágrimas, adoração sem restrição, nem desarmonia, nem fingimento e, o melhor de tudo, a presença de Deus de forma irrestrita, absoluta e pessoal. Esses tesouros não podem ser roubados nem atacados pela corrosão.

Não creio que Jesus esteja condenando todo tipo de riqueza, assim como não está condenando todo tipo de roupa. Ele não está proibindo coisas, mas, sim, o amor às coisas.

Não o dinheiro, mas o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1Tm 6.10). Jesus nos proíbe de fazer de simples bens materiais nosso tesouro, de acumular coisas como se tivessem importância suprema.

Eclesiastes, o pregador, pode nos ajudar aqui. Ele fala da construção de edifícios, ética do trabalho, sexo, fama, poder, várias filosofias e depois despreza um por um, afirmando que não passam de vaidade, de correr atrás do vento.

O dr. Harold Dressler, meu colega e amigo, convenceu-me de que a palavra traduzida por “vaidade” não deve ser entendida com o significado de que todas essas coisas são igualmente inúteis, bobagens, “vãs”, mas, sim, que são todas transitórias.

Elas são “vaidade” no sentido de que não duram, são passageiras

Tais coisas são, por assim dizer, amaldiçoadas com a temporariedade, com a transitoriedade. Quando eu morrer, levarei comigo exatamente o que trouxe para este mundo — nada. Portanto, mesmo que os ladrões e a ferrugem não ataquem meus bens enquanto eu viver, é vaidade acumular tesouros que têm esse valor tão limitado pelo tempo.

É claro que defender o que Jesus defende aqui pressupõe crer em recompensas e castigos do céu. Por isso, só quem tem fé reconhece a validade desse argumento, porque, como disse o escritor de Hebreus:

“Sem fé é impossível agradar a Deus, pois é necessário que quem se aproxima dele creia que ele existe e recompensa os que o buscam” (Hb 11.6). Porém, se sou verdadeiramente comprometido com o reino de Deus, meus valores mais importantes serão estabelecidos por Deus.

Assim como o reino já está presente, ainda que incipiente, também o discípulo de Jesus já está acumulando tesouros no céu e desfrutando deles. E, assim como o reino ainda está por vir em toda a plenitude de seu esplendor, também o discípulo de Jesus aguarda essa consumação a fim de entrar na plenitude das bênçãos que o Pai lhe preparou.

O discípulo vive pela fé, mas, dada a realidade dos objetos dessa fé, as restrições aqui expostas são razoáveis. Temos de nos perguntar (se é que, repito, posso me referir à eternidade considerando divisões de tempo) que importância terão para nós os bens transitórios atuais daqui a cinquenta bilhões de trilhões de milênios.

Trocar o eterno pelo temporário é um mau negócio, não importa com quantas lantejoulas se enfeite o temporário para torná-lo mais chamativo. Será muito triste se tivermos de seguir os exemplos de Acã, de Salomão, do jovem rico e de Demas para descobrir essa verdade por nós mesmos.

Não é apenas uma questão de receber recompensas no final. É muito mais que isso, porque as coisas que estimamos de fato governam nossa vida. O que nós valorizamos nos direciona a mente e as emoções e consome nosso tempo, pois ficamos planejando, sonhando acordados e nos esforçando para alcançá-las.

Como disse Jesus: “Porque onde estiver o seu tesouro, aí também estará também o seu coração”

Se alguém deseja, acima de qualquer coisa, ganhar muito dinheiro, comprar uma casa luxuosa, esquiar nos Alpes ou velejar no Mediterrâneo, assumir o controle de sua empresa ou comprar a do seu concorrente, construir uma boa reputação ou obter aquela tão sonhada promoção, defender uma posição política ou ser nomeado para um cargo público, será devorado por esses objetivos, e os valores do reino serão postos de lado.

Note que nenhum dos objetivos que mencionei é intrinsecamente mau, mas nenhum deles tem valor supremo. Portanto, qualquer um deles pode tornar-se mau se for considerado nosso maior tesouro e, assim, usurpar o lugar que pertence ao reino.

E a situação é muito pior quando os objetivos são de fato maus! O princípio, porém, é o mesmo: pensamos em nossos tesouros, somos atraídos por eles, nos inquietamos, medimos outras coisas (e outras pessoas) em relação aos nossos tesouros.

Infelizmente, isso é tão real que qualquer um que se examine com sinceridade consegue descobrir quais são seus verdadeiros tesouros apenas analisando seus desejos mais profundos.

No Canadá, a neve recém-caída em geral é seca e quebradiça, não úmida e pegajosa. Um campo coberto de neve recente é muito convidativo, pois cintila no sol do inverno. Não há marcas nem pegadas; temos o privilégio de andar sobre a neve e formar o desenho que quisermos.

Se fixarmos o olhar em nossos pés e tentarmos atravessar o campo em linha reta, vamos fazer uma trilha toda irregular. Se, em vez disso, fixarmos os olhos numa árvore ou numa rocha do outro lado e andarmos em direção a ela, a trilha será extraordinariamente reta.

Quando eu e Joy estávamos noivos, prestes a nos casar, morávamos em Cambridge, na Inglaterra. Gostávamos de sair às vezes para andar de bicicleta no caminho que margeia o rio Cam, usado antigamente pelos cavalos que rebocavam barcos.

Enquanto pedalávamos, a distância entre minha bicicleta e a margem íngreme do rio nunca era maior que cerca de 60 a 90 centímetros; bastava virar o guidão acidentalmente, e eu iria parar dentro d’água. Nos trechos mais largos do caminho, nós pedalávamos lado a lado, mas Joy ia pelo lado de dentro.

Se, durante a conversa, ela começasse a olhar para mim, eu tinha de frear, senão as bicicletas acabavam se enganchando ou eu caía dentro do rio.

Essas ilustrações mostram que nossa tendência é mover-nos em direção ao objeto no qual fixamos o olhar

Da mesma maneira, toda a nossa vida se move inexoravelmente para onde estão guardados nossos tesouros, porque nosso coração nos levará para lá.

Portanto, seguir Jesus fielmente significa o desenvolvimento constante de nossas afeições mais profundas: educar-nos para cultivar lealdade inabalável aos valores do reino e ter prazer em tudo o que Deus aprova.

Não admira que Paulo tenha escrito: “Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, desejem de todo o coração as coisas de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus.

Pensem nas coisas de cima, não nas que são da terra” (Cl 3.1,2). Ou ainda: “Ordene aos ricos do presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham a esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que nos provê abundantemente de tudo para nossa satisfação.

Ordene-lhes que pratiquem o bem, para serem ricos em boas obras, e sejam generosos e prontos a repartir. Desse modo, acumularão um bom tesouro para eles mesmos, um firme fundamento para a era vindoura, a fim de tomarem posse da verdadeira vida” (1Tm 6.17-19).

Luz (6.22,23)

A metáfora seguinte é um pouco mais difícil de entender. Jesus afirma: “Os olhos são a candeia do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo terá luz. Se, porém, os seus olhos forem maus, todo o seu corpo estará repleto de trevas. Portanto, se a luz que há em você são trevas, que grandes trevas serão!”.

É possível que essa ideia tenha origem no parágrafo anterior. Se for isso, os olhos são a candeia do corpo no sentido de que eles permitem ao corpo encontrar seu caminho. Seus olhos precisam ser “bons” para poderem guiar “todo o seu corpo” (uma expressão semítica que significa “você mesmo”) para o que é bom.

No entanto, é possível (e preferível, a meu ver) interpretar os versículos 22 e 23 de uma forma um pouco mais simples. O corpo todo — isto é, a pessoa toda — é representado por uma sala, ou uma casa. A finalidade dos olhos é iluminar essa sala, garantir que ela “seja cheia de luz”.

Os olhos, portanto, funcionam como a fonte de luz. Podemos pensar na única janela de um cômodo, apesar de Jesus de fato usar a metáfora de uma candeia, não a de uma janela.

Para que o indivíduo seja cheio de luz, portanto, seus olhos têm de ser “bons”

Se forem maus, se sua chama for fumacenta ou o vidro estiver sujo de fuligem, se o pavio não estiver bem aparado ou se não houver querosene suficiente, a pessoa continuará na escuridão total. Obviamente, é importante descobrir o que Jesus quer dizer não metaforicamente, ao exigir que os olhos sejam “bons”.

O adjetivo “bom”, porém, é um tanto intrigante. A palavra do original foi empregada na Septuaginta com o sentido de “sinceridade de propósito, lealdade não dividida”, daí o uso de “simples” na KJV. No entanto, entre os rabinos, “olho mau” denota egoísmo.

Nesse caso, olhos bons podem indicar compromisso com a generosidade. Ser cheio de luz é equivalente a ser generoso, e parece que isso se encaixa muito bem como ampliação das advertências do parágrafo anterior acerca do tesouro mal escolhido.

Na minha opinião, o significado que a Septuaginta dá à palavra é melhor, se julgarmos pelo contexto. Embora à primeira vista a ideia alternativa de generosidade pareça combinar bem com a ênfase do parágrafo anterior no tesouro e com a advertência do parágrafo seguinte em relação ao dinheiro, uma análise mais minuciosa revela que a adequação não é tão perfeita assim.

Os versículos 19 e 20 estão menos relacionados com riqueza financeira e generosidade do que com a escala de valores com que uma pessoa determina qual é o seu maior tesouro. Do mesmo modo, o foco do versículo 24 não é tanto o dinheiro, mas, sim, o serviço e o compromisso.

Em outras palavras, os versículos de 19-21 e o versículo 24 exigem lealdade inabalável aos valores do reino

As analogias usadas são tesouro e dinheiro. A ênfase está na sinceridade de propósito — fidelidade do coração ⦁ para com Deus.

Por isso, é muito provável que a palavra traduzida por “bons” na NIV signifique “sinceridade de propósito, lealdade não dividida” — que, contexto à parte, é a interpretação mais natural. Os olhos bons são os que estão fixos em Deus, sem se desviar dessa constante contemplação.

O resultado é o indivíduo todo “cheio de luz”. Acho essa expressão adorável

Se entendermos luz em suas conotações usuais de revelação e pureza, o indivíduo que tem olhos bons para com os valores do reino é alguém caracterizado pelo entendimento máximo da verdade divinamente revelada e pela conduta inabalavelmente pura.

Além disso, a expressão “cheio de luz” provavelmente não se limita ao que a pessoa é em si, isoladamente, mas também diz que essa pessoa será tão cheia de luz que emitirá luz. É mediante esse compromisso irrestrito com os valores do reino que os cristãos se tornam “a luz do mundo” (Mt 5.14).

O oposto é ser “cheio de trevas”, destituído de revelação e de pureza. Essas trevas são particularmente pavorosas se a pessoa se ilude. Se pensa que seus olhos são bons, quando na verdade são maus, ela se convence de que sua lealdade nominal aos valores do reino é profunda e genuína, quando na verdade é superficial e fingida.

A pessoa cujas trevas são mais densas é aquela que acredita que essas trevas são luz: “Portanto, se a luz que há em você forem trevas, que grandes trevas serão!”.

Escravidão (6.24)

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (6.24).

À primeira vista, o texto parece um pouco radical na polarização. Contudo, é preciso ter em mente duas questões para poder entendê-lo corretamente.

Em primeiro lugar, quando fala em “senhores”, Jesus não está pensando em patrões do nosso século (cuja autoridade — da maioria — é limitada pelos sindicatos de empregados), mas em algo mais próximo de senhores de escravos (embora talvez não tão estereotipados). É possível trabalhar para dois patrões; não é tão fácil servir a dois senhores.

Em segundo, a oposição entre amor e ódio é uma expressão idiomática semítica comum. Nenhuma de suas partes pode ser entendida em sentido absoluto. Odiar um dos dois e amar o outro significa tão somente que o último é o preferido, principalmente se houver alguma competição entre os dois.

Essa expressão idiomática ajuda a entender outras frases de Jesus:

“Se alguém vem a mim e não odeia seu pai e sua mãe, mulher e filhos, irmãos e irmãs — e mesmo a própria vida —, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26)

Em outra passagem, esse mesmo Jesus insiste em que honremos nossos pais com integridade (Mc 7.9-13). É evidente, portanto, que ele não está defendendo o ódio.

Ele quer dizer que o amor mais profundo e a principal lealdade de toda pessoa devem ser dirigidos ao Pai e ao Filho que ele enviou e que até os laços familiares devem ser considerados secundários.

Da mesma forma, Mateus 6.24 nos adverte de que em momentos de crise temos de escolher entre nossas lealdades, e só uma pode ser a principal. Um “senhor” terá a preferência. Nas crises se revela a que ou a quem preferimos servir. Então, Jesus nos dá um exemplo incisivo: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”.

A palavra traduzida por “dinheiro” na NVI é transliterada na maioria das versões por “Mamom”. A princípio, a palavra significava “alguma coisa em que se deposita a confiança”, ou algo assim.

Considerações Finais

Por fim, não dúvida já que o ser humano em geral deposita sua confiança nas riquezas, a palavra passou a se referir a todos os bens materiais: proveito financeiro, riqueza, dinheiro. Ninguém pode se dedicar a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo.

Admitamos. Muitos de nós, quase todos, aliás, fazemos um grande esforço para encontrar um meio-termo nessa área. Quando surgem duas vagas de emprego, o fator decisivo na hora de optar por uma delas é o salário, não a oportunidade que cada uma nos proporciona de servir ao Senhor.

Compramos, sem necessidade, um carro maior e melhor ou uma casa maior e melhor com o único objetivo de nos igualarmos aos nossos amigos, parentes ou vizinhos (ou de superá-los).

Compare essa atitude com a do comentarista Matthew Henry (1662- 1714), que, quando foi roubado, voltou para casa e escreveu uma mensagem sobre isso no seu diário:

Senhor, eu te agradeço porque nunca fui roubado antes; porque, embora tenham levado meu dinheiro, minha vida foi poupada; porque, embora tenham levado tudo o que eu tinha, não era muito; porque eu fui a vítima, não quem praticou o roubo.

Matthew Henry era um homem que servia a Deus. Essas três metáforas — tesouro, luz e escravidão — unem-se para exigir lealdade inabalável aos valores do reino.

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