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Sermão do monte: Oração segundo Jesus

“Quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas, pois eles gostam de orar nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos outros. Eu lhes digo a verdade, eles já receberam sua plena recompensa” (6.5).

A encenação das esmolas agora dá lugar à encenação da oração. Assim como Jesus não se opunha a dar esmolas, ele também não se opõe à oração. Ele presume que seus seguidores vão orar: “quando vocês orarem…”.

O que ele rejeita categoricamente é a atitude dos que “gostam de orar […] para serem vistos pelos outros”.

Nas sinagogas, a oração pública era normalmente liderada por um homem, membro da congregação, que ficava em pé diante da arca da lei e cumpria essa responsabilidade. Era muito fácil sucumbir à tentação de orar para impressionar a plateia/congregação.

Os clichês aceitáveis, os sentimentos apropriados, o tom de voz, o fervor expresso na hora certa, tudo isso se transformava em meios de receber aprovação e talvez de competir com o colega que dirigiu a oração na semana anterior.

Além disso, nas ocasiões de jejum público, e talvez no momento do sacrifício diário que acontecia toda tarde no templo, as trombetas soavam avisando que estava na hora de orar.

Exatamente onde estivesse, mesmo na rua, um homem tinha de se voltar para a direção do templo e fazer sua oração. Essa oportunidade de ostentar piedade era mesmo muito gratificante.

Não devemos ser tão rígidos para com os judeus da época de Jesus antes de fazer um autoexame adequado. Sei muito bem o quanto sou capaz de me enganar e me iludir, e acho que não sou um caso isolado nisso.

O crente convidado a orar num culto batista, o leitor solicitado a participar de um culto vespertino da igreja anglicana, o irmão convidado a pregar numa reunião da Irmandade, o estudante que lê a passagem bíblica no culto presbiteriano e o ministro em qualquer uma dessas reuniões — todos são extremamente tentados nessa área.

E todos recebem a mesma recompensa: o desejado louvor de seus pares. Essa é a única e plena recompensa deles; não há outra, e certamente nenhuma oração respondida pelo Senhor.

O que, então, deve caracterizar nossas orações?

Jesus menciona dois requisitos. Primeiro: “Quando orar, entre no seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que não pode ser visto. E seu Pai, que vê o que se faz em segredo, recompensará você” (6.6).

Mais uma vez, não acredito que Jesus esteja tentando proibir toda oração pública. Se estava, a igreja primitiva não o entendeu, a julgar pelos exemplos de oração pública no livro de Atos (1.24; 3.1; 4.24ss. etc.).

Vamos entender melhor o que Jesus quer dizer se nos fizermos estas perguntas: Oro com maior frequência e maior fervor quando estou a sós com Deus ou quando estou em público? Amo o local de oração em segredo?

Minha oração pública é apenas o transbordar da minha oração particular? Se as respostas não forem afirmativas entusiásticas, não passamos no teste e nos incluímos na acusação de Jesus. Somos hipócritas.

Será que o principal motivo de não termos mais orações atendidas é que estamos menos preocupados em apresentar nossos pedidos a Deus do que em nos mostrar diante dos outros?

Existe uma história bem conhecida de um ministro da Nova Inglaterra que se referiu a uma oração bem elaborada e refinada feita numa igreja elegante de Boston como “a oração mais eloquente já oferecida a uma audiência de Boston”.

É exatamente isso. Em que penso quando estou orando em público?

Será que fico tão ocupado tentando encontrar expressões para agradar os outros irmãos presentes no culto que não concentro minha atenção em Deus e mal me dou conta de sua presença, apesar de ser a ele que supostamente minhas orações se dirigem?

Jesus insiste em que o melhor meio de vencer esse mal é se dedicar à oração a sós. “Assim, o seu Pai, que vê o que se faz em segredo, recompensará você.”

Jesus menciona um segundo aspecto que deve caracterizar nossa oração: “Quando vocês orarem, não fiquem repetindo as mesmas coisas como os pagãos, pois eles pensam que serão ouvidos pelo muito falar” (6.7,8).

Alguns pagãos acreditavam que, se mencionassem o nome de todos os seus deuses e dirigissem a cada um deles suas petições, e depois as repetissem algumas vezes, teriam mais chances de ser atendidos.

Jesus diz a seus contemporâneos judeus que grande parte das orações deles é semelhante à ladainha dos pagãos; e tenho certeza de que diria o mesmo a nós hoje, se estivesse falando diretamente conosco.

A oração não deve ser uma sucessão de chavões, de repetições vãs, nem deve basear-se na hipótese ridícula de que a probabilidade de ser atendido é diretamente proporcional ao número de palavras da oração.

“Não se precipite com a boca, nem seja o seu coração impulsivo em pronunciar palavra alguma diante de Deus. Deus está no céu, e você está na terra, portanto sejam poucas as suas palavras” (Ec 5.2).

É uma vergonha pensar que podemos conseguir favores de Deus pelo tamanho enorme de uma oração, entoada mecanicamente.

Em uma igreja onde ministrei, na reunião de oração do meio da semana, era costume os homens e os meninos saírem para orar em uma sala do prédio, e as mulheres e as meninas, em outra. Algumas igrejas dividem a congregação em grupos muito menores.

Os grupos pequenos têm algumas vantagens — por exemplo, mais pessoas podem participar. Mas também têm desvantagens

É preciso haver momentos em que todos os membros da família da igreja orem juntos, em parte para promover a unidade e em parte para cada grupo da igreja tomar conhecimento das preocupações espirituais dos outros.

De qualquer modo, eu tinha herdado aquele problema de segregação e achava que fosse apenas uma opção, não uma parte essencial da tradição eclesiástica. Por isso, certa noite, propus delicadamente que orássemos todos juntos, pelo menos naquela semana.

Quando a reunião acabou, um irmão veio falar comigo bastante incomodado. Ele achava que a reunião tinha sido uma perda de tempo porque “não se conseguiu orar muito”.

De fato, era verdade que o número de pessoas que oraram em voz alta tinha sido menor do que das outras vezes, mas não havia nenhum motivo para que o mesmo número de pessoas de sempre não pudesse ter orado. De qualquer modo, a quantidade de palavras não é o fator crucial, e dificilmente um fator importante.

Mas não é importante orar continuamente? E a parábola em Lucas 18.1- 8, em que Jesus conta uma história com o propósito claro de ensinar que devemos “orar sempre e nunca desanimar” (Lc 18.1)?

Acredito que mais uma vez descobrimos um padrão já observado em outras relações. Jesus tinha uma forma de pregar em termos absolutos, mesmo quando estava abordando situações muito específicas.

Se isso não for levado em conta, podemos não perceber ou até distorcer o que ele diz em outras passagens sobre o mesmo assunto, mas em circunstâncias diferentes.

Em outras palavras: Jesus apresenta a maioria de seus ensinamentos tendo em vista certas relações

Seu ensino não tem nenhum traço de teologia sistemática. Não há dúvida de que tal teologia é uma disciplina legítima, mas, se a teologia sistematiza determinado ensino de Jesus cedo demais em sua análise, pode acabar minimizando a importância de outros de seus ensinamentos relevantes.

Ela também pode negar as limitações implícitas impostas a determinada passagem pelo padrão de relações que Jesus usou naquele caso.

No exemplo que estamos analisando agora, se tomarmos a passagem de Mateus 6.7,8 em sentido absoluto, a conclusão lógica é que os seguidores de Jesus nunca devem fazer orações longas e raramente, ou nunca, devem pedir nada, uma vez que Deus já sabe de todas as necessidades deles.

Se tomarmos, em vez do trecho de Mateus, a passagem de Lucas 18.1-8 em sentido absoluto, chegaremos à conclusão de que, se levamos Deus a sério, não só faremos orações longas, mas também poderemos esperar que as bênçãos recebidas sejam proporcionais à nossa verbosidade.

Contudo, se ouvirmos as duas passagens com um pouco mais de sensibilidade, vamos descobrir que Mateus 6.7,8. na verdade não diz respeito ao tamanho das orações, mas, sim, à atitude do coração que pensa que será ouvido por causa de suas muitas palavras.

Da mesma forma, descobrimos que o propósito de Lucas 18.1-8 não é determinar o tamanho das orações, mas, sim, combater a tendência que certos seguidores de Cristo têm de desistir de orar. Esses cristãos, quando pressionados pelas circunstâncias, geralmente correm o risco de jogar a toalha. Mas eles precisam perseverar.

O melhor exemplo quando se trata de oração é o próprio Jesus

Embora orasse muito em público, ele orava muito mais a sós. O evangelista Lucas faz questão de demonstrar isso (veja Lc 5.16; 6.12; 9.18,28; 11.1; 22.41,42).

Apesar de às vezes orar com extrema brevidade, Jesus também se dedicava a longas vigílias noturnas. E ensinou seus seguidores a se dirigirem a Deus como Pai, não apenas garantindo-lhes que seu Pai celestial conhece as necessidades de seus filhos antes que estes lhe peçam, mas também incentivando-os a pedir com confiança e fé.

Em suma: Jesus quer nos ensinar que a oração, para ser uma verdadeira obra de justiça, não deve ser feita com ostentação, deve ser dirigida ao Pai, não a homens, deve ser feita sobretudo em particular e sem a ilusão de que Deus pode ser manipulado por tagarelice vazia.

Assim, como devemos orar? O próprio Jesus nos dá um exemplo magnífico, em geral chamado de “Oração do Senhor” (“Pai-Nosso”), porém mais apropriadamente chamada de oração-modelo, pois Jesus a ensinou aos discípulos como paradigma para as orações deles.

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